quinta-feira, novembro 03, 2005

Atrasos "à lá carte"

Uma notícia do semanário “Expresso” deste fim-de-semana deixou muitos portugueses boquiabertos.
Diz a mesma respeito ao facto do primeiro-ministro ter prometido em Julho passado que a nova legislação acerca dos direitos dos titulares dos cargos políticos ir produzir efeitos já relativamente aos novos eleitos locais de 9 de Outubro, acabando de vez com injustas regalias que estes detinham em relação aos vulgares cidadãos.
Julgo que, como eu, muitos portugueses devem ter elogiado as palavras do nosso primeiro por não entenderem o porquê desses direitos especiais.
Parece, no entanto, que José Sócrates tem um conceito diferente do geral relativamente ao que significa “cumprir uma promessa” ou então anda assessorado por um grupo de incompetentes que anda permanentemente a estender-lhe o tapete.
A dita lei que “Altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais” teve o n.º 52-A/2005 e só foi publicada a 10 de Outubro, depois de promulgada por Jorge Sampaio no dia 6.
Ora, qualquer um perguntará: onde é que os papéis andaram a passear para só terem sido aprovados tanto tempo depois de prontos?
Pior: sub-repticiamente, a citada lei também não possui nenhuma disposição dizendo que entra em vigor imediatamente após a sua publicação, como tantas vezes acontece, pelo que, será cumprida a lei geral, que faz com que a nova lei só entre em vigor 5 dias após a sua publicação no Continente e 12 dias nas Regiões Autónomas.
Isto fez com que um número significativo de autarcas antecipasse rapidamente a tomada de posse para o dia 15 de Outubro de forma a ser ainda nomeado ao abrigo da lei anterior, beneficiando assim de todas as regalias com que Sócrates prometeu acabar já.
Pior, ainda: sendo inequívoco que quem tomou posse antes do dia 15 de Outubro está abrangido pela Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais) e Lei n.º 4/85, de 9 de Abril (Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos), parece também que o art.º 28.ª da Lei n.º 29/87 não foi revogado intencionalmente e, ao afirmar que “A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.”, está aberta a porta para os juristas esgrimirem argumentos que tentem fazer abranger pela anterior lei todos os eleitos locais que tomaram posse até ao dia 31 de Outubro.
Caso esta posição venha a merecer acolhimento, uma esmagadora maioria, senão a totalidade dos novos autarcas portugueses conseguiu manter, à custa destas artimanhas mais 4 anos a dobrar em tempo de serviço, etc, etc, etc.
E nós portugueses perguntamos: onde é que isto vai parar?

Sem comentários: