terça-feira, fevereiro 06, 2007

Dia 11 será outro dia

Há semanas que não se fala de outra coisa senão do “referendo ao aborto”. Figuras mais ou menos proeminentes de cada uma das sociedadezinhas que compõem a sociedade portuguesa, desde a mais recôndita aldeia até à capital do império de pantanas, intervêm acaloradamente todos os dias esgrimindo argumentos a favor do “sim” ou do “não” não se eximindo, se necessário, de maltratar todos os que se perfilarem de opinião contrária à sua.
A rematar as intervenções, raramente se esquecem de dizer que a “questão do aborto” é uma questão de “consciência individual”!
Desde que a consciência individual de cada um coincida com a do palestrante, claro está!
Então se assim é, porque razão é que a consciência individual de cada um tem de ser influenciada tão veementemente por tanta gente?
Será que não lhes chega terem a sua própria e gozarem dela o melhor possível?!
Será que querem incutir nas outras pessoas a sua própria “consciência individual” transformando-a numa”consciência colectiva” que é só sua?
Chateia-me que me queiram alterar a minha “consciência individual” sobre a “questão do aborto”! Há meia dúzia de iluminados que estão convencidos que vêem mais além do que o povo, que não passa de uma cambada de estúpidos,
Apesar deles acharem que se trata de um “Benfica – Porto” e que terá de haver um resultado final neste jogo do referendo, penso que o resultado nunca será nem uma vitória, nem um empate, nem uma derrota de ninguém.
Há uma verdade insofismável: legal ou ilegalmente um aborto será sempre uma vida que não chega a acontecer.
Porquê?
Porque a potencial mãe (e consequentemente o potencial pai) não tem condições, não tem certezas, não tem segurança, não tem vontade, não tem idade, não tem apoio familiar, não pensou bem, não tem dinheiro, tem medo, sei lá, um conjunto de factores que levam a mulher a não querer ser mãe.
Sobretudo há todo um seio familiar que não sabe ser família, há todo um núcleo de amigos que na verdade não o é, e há toda uma sociedade que não tem capacidade, organização, estrutura e meios capazes de ajudar aquela mulher.
Depois de umas semanas largas de sapientes discursos, chegou-se à fase da radicalização de posições, como seria de esperar.
Sócrates, o pretenso pai do “sim”, que tão depressa veste a farda de primeiro-ministro, como a de cidadão com direito a expressar a livre opinião, vem a terreiro afirmar que ou o “sim” ganha, e o cidadão José Sócrates rejubila, ou o “sim” perde e o primeiro-ministro José Sócrates determina que a lei fique “exactamente na mesma”. No fundo, ou leva a sua avante, ou as tais mulheres com quem ele tanto se preocupa vão ter de cumprir a pena de não terem obedecido à sua vontade suprema.
Os radicais do “não” envergonham-se com a pena de prisão prevista na lei, e sugerem que as “condenadas” cumpram um serviço cívico em vez de irem a tribunal e seguirem para trás das grades. Surge cada ideia de cada cabeça!
Se à prática do aborto está e estará sempre associada uma situação de grande fragilidade e inquietação da mulher, só faltaria, em vez da barra do tribunal, a barra do julgamento popular, do diz que disse em surdina acerca da vida pessoal de cada um. Em muitos meios, seria um festim de entretenimento à custa da desgraça alheia como tanta gente gosta.
Estamos emparedados entre um governo que teme exercer a sua obrigação de legislar, encontrando uma nova lei que proteja as situações mais sensíveis que estão salvaguardadas (por exemplo de uma criança que engravidou e que não está preparada, mais que não seja pela própria idade, para ser mãe) e uma lei que não satisfaz a maioria de cidadãos que não concorda com o actual enquadramento penal.
Provavelmente, a maioria dos cidadãos não se disporá a votar. O mesmo será dizer: esta é uma pergunta que não se faz!
Um dia destes, à custa do argumento de que cada um tem o direito de dispor do seu próprio corpo, ainda iremos referendar o direito à “eutanásia assistida em estabelecimento de saúde legalmente autorizado!"
E já agora: o que é que Portugal vai fazer com as mulheres que decidam abortar às 11 semanas?

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