terça-feira, novembro 09, 2004

Crise na construção civil

O fenómeno da emigração na Murtosa, particularmente entre os anos 40 e 70, influenciou decisivamente o seu desenvolvimento.
Um terço da população residente no Concelho partiu durante este período, sobretudo para o continente americano (Estados Unidos, Canadá, Brasil, Venezuela) e Europa (França e Alemanha).
Primeiro, as fracas condições económicas e a ausência de oportunidades para além da agricultura e da pesca de sobrevivência, e depois a guerra colonial, forçaram a este destino.
Do que me tem sido dado a observar, e da bibliografia que li acerca do tema, julgo podermos encontrar dois pensamentos distintos entre os emigrantes no que se refere ao seu próprio futuro.
Os que partiram para a Venezuela, e também para o Brasil, provavelmente por se terem radicado em países onde os regimes políticos e sociais eram mais instáveis, ambicionavam um regresso antes da velhice e a criação de um negócio ligado sobretudo à panificação, restauração, construção civil e comércio.
Os restantes, conscientes que um trabalho estável lhes daria uma reforma confortável, sabiam que a ausência ia ser muito prolongada. Juntaram-se em colónias numerosas, acreditando que só a velhice seria passada na terra natal, mas com condições económicas que esta nunca lhes poderia ter dado.
Com esta perspectiva floresceu na Murtosa o ramo da construção civil que absorveu a força de trabalho que cá tinha ficado.
Os homens passavam grande parte do dia a construir as moradias para aqueles que transitoriamente vinham passar férias, mas que um dia sonhavam no regresso definitivo.
As mulheres, e a prole, dedicavam-se à agricultura na qual os maridos ajudavam nas horas livres e em parceria com a actividade piscatória.
Associado a este movimento, crescia o pequeno comércio (tascas e mercearias).
Esta situação, apesar de deixar pouco potencial de desenvolvimento, não deixava de permitir alguma estabilidade.
Mas o equilíbrio foi quebrado devido a vários factores : os luso-descendentes começaram a ficar totalmente integrados na sociedade americana; a precaridade do emprego nos EUA e o reduzido número de dias de férias não permitia visitas regulares; o dólar perdeu a força que tinha face às moedas europeias, e mais tarde ao euro.
Estes factores contribuíram para que muitas das casas desses emigrantes estejam fechadas e para que a construção civil tenha estagnado.
Sem oportunidades de emprego, também não serão os jovens murtoseiros que irão dar força a este sector que durante tantos anos foi vital para a economia do Concelho.
Só a França e a Alemanha poderão ainda dar alguma esperança de sobrevivência a curto prazo, já que na América é fácil comprar uma casa na Florida junto ao mar pelo mesmo valor que custa um apartamento na Murtosa.
Entretanto, é esta revolução surda, reveladora da impreparação económica do Concelho para enfrentar desafios futuros, onde ninguém responsável quis olhar a longo prazo, preferindo antes o imediatismo popular e festivaleiro, que nos faz ir caminhando para o abismo, para a desertificação jovem, para a terra das férias e dos fins de semana, onde a noite cai e as ruas se esvaziam.
Durante muito tempo sobreviverá moribunda, mas será terra de alguns, e nunca de todos.

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