quinta-feira, abril 13, 2006

Um País doente

No espaço de uma semana, duas pessoas já com uma certa idade, sofreram aquilo a que se pode chamar, no mínimo, uma mensagem de desprezo por parte do seu próprio País.
Não são emigrantes portugueses no Canadá repatriados, não são pessoas que perderam o emprego por causa dos produtos chineses, não são fumadores que qualquer dia vão ter que gozar o seu vício ao ar livre, não são políticos convencidos, nem agentes da judiciária afrontados, todos eles com direito a tempos infinitos de antena televisiva, emissão de rádio ou páginas de jornais : são apenas simples cidadãos anónimos que sofreram uma afronta inqualificável.
Um é apenas bombeiro do quadro honorário de uma Corporação do distrito de Aveiro; o outro é apenas e tão só um murtoseiro ex-dador de sangue.
Um e outro deram à sociedade portuguesa, durante décadas, muito daquilo que ela precisou enquanto foram novos e enérgicos cidadãos: a sua generosidade, o seu voluntariado, a sua dedicação e o seu próprio sangue, sempre no intuito da salvar uma vida, de ajudar o próximo, e de contribuir para o bem comum.
O Estado, que de uma forma geral se acredita ser “uma pessoa de bem”, decidiu em determinada altura que a um bombeiro e a um dador de sangue a sociedade devia retribuir com uma insignificante recompensa, mostrando-lhes o seu reconhecimento pelo altruísmo evidenciado: a isenção da taxa moderadora cobrada pelos organismos do Serviço Nacional de Saúde.
Durante anos a fio o Estado e a sociedade souberam aproveitar a generosidade daqueles dois cidadãos, até que um dia, o bombeiro e o dador de sangue atingiram uma idade em que deixava de der possível continuarem a dar aquilo que tinham dado até aí.
Um passou ao quadro honorário e o outro passou a ser um ex-dador.
E o Estado, não fez mais nada : a um e a outro retirou-lhes a isenção da taxa moderadora.
Deixaram de ser úteis? Deixaram de merecer o reconhecimento da sociedade? Tornaram-se “economicamente” pouco rentáveis para Portugal? Alguém será capaz de aceitar esta atitude como sendo digna de um “Estado de bem”?
É nisto que a sociedade se tem transformado ano após ano, dominada por mentes sem princípios morais sólidos, sem honra, sem respeito pelos outros, escondendo-se atrás do anonimato, fugindo ás suas responsabilidades.
Gente que não se importa de indignar o seu semelhante e que se refugia atrás de figuras sem rosto. Gente que mede o seu semelhante pela mesma bitola como se comporta em sociedade.
O bombeiro do quadro honorário e o ex-dador de sangue não terão de certeza um minuto de televisão concedido por alguém que se interesse em relatar esta tremenda injustiça. Nenhum ministro se deslocará onde quer que seja para os ouvir e mudar o que está mal. Nenhuma rádio lhes fará uma entrevista. Talvez nem nenhum jornal lhes dedique umas linhas.
Para sorte nossa, outros homens continuarão a querer ser bombeiros e dadores de sangue.
A eles apenas importará serem filhos de Portugal. Nunca filhos desta gente ou doutra gente que lhes suceda a quem um dia alguém permita que mande nos destinos da Nação.

1 comentário:

AC disse...

Esta é a sociedade que construimos e pela qual, todos somos responsáveis. A desumanização é hoje princípio económico. Isto foi o que conseguimos construir, por isso, é vergonha colectiva.
Cpts.