segunda-feira, setembro 28, 2009

Moliceiros - obrigatório intervir

Em Junho passado tive oportunidade de passar uns dias em Veneza. Apesar da beleza e da luz inigualáveis desta cidade que daria só por si para escrever muitos post's, o assunto que aqui me trás é o da importância que os residentes e os milhões de estrangeiros que ali passam todos os anos dão às “gôndolas” e aos “gondolieri” e a aplicação que isso poderia ter aos moliceiros e seus tripulantes.

A gôndola é uma embarcação típica da Lagoa de Veneza (Itália). Pelas suas características de manobrabilidade e velocidade, foi, até à chegada dos meios motorizados, a embarcação veneziana mais adaptada ao transporte de pessoas. Actualmente é usada sobretudo para passeios turísticos.
Segundo pude apurar, existem actualmente cerca de 400 gondoleiros encartados e autorizados em Veneza, tendo recentemente surgido a primeira gondoleira mulher 'certificada' de seu nome Giorgia Boscolo. Para que um gondoleiro possa tripular sozinho a sua gôndola são precisas mais de 300 horas de treino.
Os barcos de fundo achatado são movidos por um remador que fica sempre de pé.
A taxa oficial para um passeio de 40 minutos é de 80 €, podendo subir um pouco mais ao fim da tarde.
De acordo com os dados disponíveis mais recentes, um gondoleiro declara ganhar cerca de 16.000 € por ano e uma gôndola pode custar entre 20.000 € e 50.000 €.
Os gondoleiros estão autorizados pela lei italiana a não passar recibo aos passageiros (virá daí a declaração de tão baixos rendimentos ?!!).
Face aos valores declarados pelos gondoleiros, a actividade é altamente deficitária e tem, por isso, de ser subsidiada pelo Município que transfere para esta actividade cerca de 1.000.000 € por ano.
A actividade das gôndolas em Veneza gera algumas centenas de postos de trabalho transversais que vão desde a construção e reparação naval, ao turismo e à restauração.


Bom, mas perguntar-se-á em que medida é que esta referência às gôndolas pode interessar à Murtosa?


Em primeiro lugar a similitude entre o aparecimento e a utilização que estiveram na origem quer da gôndola quer do moliceiro : ambas as embarcações destinavam-se a actividades profissionais das populações locais.
Seguidamente, o facto do uso que era dado inicialmente à gôndola e ao barco moliceiro ter caído em desuso por razões económicas e por terem surgido alternativas mais baratas às funções que aquelas embarcações exigiam.
Por último, o facto de ambas serem ex-libris das regiões de onde são originárias.

Uma diferença fundamental que ressalta da comparação das duas embarcações é o facto da gôndola continuar a ser utilizada no dia a dia veneziano e ser conhecida no mundo inteiro, e o moliceiro ter entrado numa lenta agonia que o poderá levar ao desaparecimento total dentro de alguns anos com o fim quer dos últimos construtores quer dos últimos homens capazes de navegar nos moliceiros.

Para perservar o moliceiro, e salvá-lo do desaparecimento total, é necessário que se conjuguem três factores : em primeiro lugar dar-lhe uso, em segundo lugar incentivar a sua construção alargada, e por último ensinar os jovens a saber tripulá-lo com destreza.
Como incentivo ao seu uso, vejo para já duas vias : o turismo e o lazer.

No turismo, é preciso que os moliceiros enverguem de novo as velas e não se continuem a transformar em embarcações (aberrações) descaraterizadas a motor, sem mastro, e que só têm aquele nome por causa dos painéis. Para isso é preciso que os tripulantes saibam navegar à vela, sendo o motor apenas um auxiliar de utilização excepcional.
Para aprender a navegar à vela, é preciso criar um centro de aprendizagem. A ANT será provavelmente o pólo existente que mais rapidamente poderá dar resposta a esta necessidade, podendo servir de base de apoio. Cada embarcação à vela tem particularidades próprias mas há uma raiz comum que tanto serve para umas embarcações como para outras.
Logicamente que aqueles que hoje ensinam os outros a navegar mais rapidamente conseguirão apreender as lições e técnicas dos actuais mestres dos moliceiros, integrando-os até nas actividades da Associação.
Para que haja escola de aprendizagem é necessário que exista a primeira embarcação : o primeiro exemplar de moliceiro destinado à formação deve ser a embarcação propriedade da Câmara Municipal que se tornará muito mais útil ao interesse comum.
A contratualização entre a Câmara Municipal e a ANT pode ser a chave para que o moliceiro volte a florescer na Ria. Mas sem exclusividade, claro. Se uma outra Associação existente ou a criar mostrar interesse, tudo se deverá resumir a um contrato escrito com regras claras.

Não poderá haver dúvidas quanto ao facto da Câmara Municipal ter aqui um papel chave e determinante para a sobrevivência do moliceiro (basta pensar nas gôndolas para compreender que a actividade terá de ser fortemente subsidiada).
Se o incentivo for determinado mais pessoas surgirão interessadas em aprender a navegar nos nossos moliceiros e o ressurgimento dos barcos será uma realidade.
Recordo por exemplo que o Sharpie 12, muito querido na nossa Ria, deu lugar este ano à realização do Campeonato da Europa na Costa Nova, e tudo isto porque há pessoas que querem e gostam de navegar naquele tipo de embarcação.
O lazer acaba por surgir por acréscimo mas claro está que tem de ser à vela. Quando vejo os moliceiros a circular nos canais de Aveiro, a motor, sem mastro, com o leme levantado e a bica arreada, dá-me vontade de perguntar se é aquilo que as entidades locais querem que os turistas digam lá fora que é um barco moliceiro.
Mas não tenhamos qualquer tipo de ilusões : perservar o barco moliceiro dificilmante será alguma vez uma actividade lucrativa e autónoma. Terá de ser sempre uma actividade subsidiada pelo interesse local, e o subsídio que cada moliceiro receberá será em função do numa de horas de navegação à vela que faça na Ria.
A construção naval do moliceiro já teve um primeiro passo dado pela Câmara Municipal, mas não tenho dúvidas que um ou mais estaleiros têm de estar debaixo da alçada da gestão privada para darem um resultado eficaz.
À autarquia deverá ficar reservado o papel de subsidiar os barcos mediantes contrapartidas consideradas interessantes para que os seus actuais e os futuros proprietários não esmoreçam, e perservar museologicamente a história da embarcação e dos usos e costumes.
Que não haja "medo" de tomar uma atitude determinada com "receio" que alguém enriqueça à custa dos moliceiros. Dificilmente isso acontecerá!
Há que idealizar outros tipos de regatas para além daquelas que actualmente se realizam e que não garantem uma cadência de eventos razoável.
E já agora, com o projecto em marcha da Murtosa ciclável, porque não recriar uma carreira aos fins-de-semana para transportes de pessoas com bicicleta entre a Béstida e a Torreira? Seria excelente para quem acha demasiado dar a volta toda por estrada e quisesse apenas fazer meio percurso (por exemplo à volta) e, ao mesmo tempo, dinamizava as duas vertentes.
Fica aqui a sugestão, esperando-se que o post possa gerar outras ideias à volta do tema que tornarão a proposta bem mais rechada de interesse.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bem!